segunda-feira, 5 de abril de 2010

Pequenos anjos e suas grandes guerreiras


Durante os estágios em que tive a oportunidade de participar enquanto ainda estava na faculdade, conheci a historia de muita gente sofrida. Entre elas, crianças que permaneciam anos internadas por negligencia de alguém, crianças que nasceram com deficiências físicas ou mentais, crianças que possuíam seqüelas de afogamentos, de queimaduras gravíssimas, crianças com doenças genéticas... E todas elas "largadas" em algum quarto frio de hospital totalmente impotentes e dependentes de nós, profissionais da saúde. Posso contar nos dedos às vezes em que via uma mãe cuidando de seu filho há anos internado, enquanto ele recebia oxigênio de um aparelho externo. Fato que sempre me deixou intrigada.
Foram muitas às vezes em que me segurei pra não chorar com a história de pequenos anjos que conheci de hospital em hospital, tinha vontade de levá-los pra casa (compartilhei esse desejo com alguns de meus colegas de estágio), mas essa vontade me lembrava o quanto era impotente, por melhores que fossem minhas vontades a dura realidade de não poder fazer muita coisa por eles, a não ser prestar cuidados mínimos de hospital, me deixava extremamente triste. O fato de uma criança tão frágil não ter a companhia dos pais ao seu lado também era uma coisa que me causava certa indignação, mesmo sem saber o motivo de isso acontecer. Era como se não fizesse sentido algum. Eu, uma pessoa estranha, uma mera estagiária de enfermagem, queria tanto fazer alguma coisa por elas, me perguntava onde estão as mães destes anjinhos, porque não estão aqui com eles? Será que elas (as mães) sentem alguma coisa parecida com o que sinto?
Enfim. Cursando meus últimos meses de faculdade, sem ainda criar meu próprio blog, fui apresentada a uma comovente história, a de Flávia. Uma garotinha que foi surpreendida com uma grande tragédia, mas que soube aproveitar cada pedacinho da melhor fase de sua vida, a infância. Hoje, Flávia tem a minha idade, pequeno detalhe que faz com que eu tenha grande empatia por ela, além de grande admiração por sua mãe que se mostrou um grande exemplo de força frente a tudo o que enfrentaram. Digo isso por que graças a Deus, Flávia teve a sorte de ser abençoada com uma mãe guerreira, e disposta a tudo por ela. Mulher que deu o sangue pra que a filha vivesse além de tudo, com o máximo de dignidade apesar das tragédias que as surpreenderam.
Flávia é a personagem principal do "Flávia vivendo em coma" : "Blog, criado em Janeiro de 2007, é dedicado à minha filha Flavia, em coma vigil há 12 anos e sua luta pela vida, desde que teve seus cabelos sugados pelo sistema de sucção da piscina do prédio onde morávamos em Moema - São Paulo. O que aqui escrevo, é o relato verídico dos fatos desde o acidente,ocorrido em 06.01.1998, até os dias de hoje. É um alerta sobre o perigo existente em ralos de piscinas. É um protesto contra a lentidão da justiça brasileira." 
Descrição feita por sua mãe, Odele Souza.
Após a leitura de alguns textos escritos por Odele, a mãe da pequena grande Flávia, me senti extremamente comovida, não houve formas de evitar isso. Assim como a lembrança dos rostos daqueles pequenos anjos com quem convivi por algum tempo, foi também inevitável. 
Me fez refletir em como a justiça é lenta em tantas coisas, não só com a demora na providência de condições dignas para aquelas pequenas crianças que moram há anos em uma ala hospitalar, vivendo longe de seus pais porque simplesmente não há estrutura para que elas possam ir pra casa com os aparelhos que os manterão respirando, ou  por que não existe uma poltrona decente pra que  pais possam descansar ao lado do filho em um hospital público, onde esse tipo de coisa é responsabilidade do governo, ironicamente, mas a justiça também se mostra lenta quando ocorre de uma mãe mover o mundo para ficar ao lado de uma criança necessitada de cuidados e suas forças serem contidas ao não encontrar apoio recebendo o que é dela por direito, JUSTIÇA.
Além de me colocar no chão, algumas das palavras de Odele em seu Blog me fizeram repensar meus conceitos sobre o quanto é difícil uma mãe cuidar de um filho em sua própria casa, filho esse que depende totalmente de uma atenção especial a sua saúde. Fez-me refletir quanto a julgamento que fiz precipitadamente aos pais de algumas crianças que cuidei no hospital, quem sou eu pra julgar afinal? Se já é difícil criar um filho saudável em tempos como estes, imagina só faze-lo quando vivemos em um país onde conseguir um emprego é tão difícil. Imagina só o quanto deve ser complicado uma mãe humilde e sem informação suficiente, além de engravidar sem condição alguma, descobrir depois que seu filho nasceu com uma doença grave, ou que seu filho sofreu um acidente que o deixou totalmente dependente. Imagina essa mãe ter que trabalhar para manter a família e ainda se mobilizar, de sua casa até o hospital. 
Senhor! Nem posso imaginar a dor dessas mães. 
Sinceramente faço tudo para crer, do fundo do meu coração, que todo esse esforço não será em vão jamais. Mesmo que a justiça não seja feita, sei que Deus as recompensará de alguma forma.

Imagino que deve existir muitas Odeles nesse Brasil, mulheres guerreiras que tiveram o desprazer de encontrar pedras enormes em seu caminho impedindo a felicidade de suas crianças. Mulheres que lutam por uma justiça que talvez nunca venha, mas que fazem com que elas não possam afirmar em momento algum: "Eu não tentei".
Assim como eu ja fiz, deve existir muitas gente que ainda julga sem saber o real sofrimento dessas mulheres em abrir os olhos dia após dia e enfrentar a realidade de seus filhos. Se todos pudéssemos por um momento ver de perto o que é pra essas mães, lidar com essa dura realidade, quem sabe houvesse finalmente um senso de justiça brotando entre aqueles que não querem ceder a vitória à mulheres guerreiras como estas.

Odele, sou uma das várias pessoas que torce para que justiça seja feita de verdade,  mesmo não trazendo a felicidade de rever o sorriso de Flávia novamente, ajudará a você e a sua filha a viver em uma situação mais confortável para os cuidados que ela precisa,  além de incentivar outras mães a correr atrás de dignidade para seus filhos também.
Você é uma guerreira! Nunca duvide da sua força, foi através dela que você conseguiu tantos novos amigos e pessoas que você hoje pode contar.
Te admiro como mulher, como mãe e como guerreira que você é. 
Sei que Flávia sente essa força também.
Parabéns por ser exemplo.
Você merece esse título.


Um comentário:

  1. Elaine,

    Primeiramente MUITO OBRIGADA por este post, por suas bonitas palavras e por divulgar a história de Flavia, que considero um exemplo de NEGLIGÊNCIA E IMPUNIDADE em nosso país. A negligência aconteceu, mas a justiça só se fez em parte, já que não condenou todos os responsáveis pelo acidente que deixou Flavia em coma. Mas não podemos nos conformar com a injustiça. É preciso seguir lutando por ela.

    Fico contente por ver que você, apesar de ser tão jovem, é uma pessoa sensivel a ponto de se comover com a história daquelas crianças que você viu no hospital, sem que suas mães estivessem ao lado delas. Você está certa em não julgar essas mães. A vida delas deve ser muito difícil. Talvez precisem trabalhar o dia inteiro e não tenham condições financeiras de cuidar de seus filhos em casa. Assim mesmo como você escreveu neste seu bonito texto.

    Elaine, você tem a idade de Flavia? Isso também me comove.

    Pra você, um forte e carinhoso abraço.

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